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Empretecer

Atualizado: 23 de nov. de 2021


Por volta dos meus 05~06 anos de idade, período do desenvolvimento psicossexual fálico, onde a tendência de um comportamento exibicionista, com a finalidade de conquistar o olhar do outro (FREUD, 2002). Recordo-me que ao tomar banho, tinha o hábito de passar bastante sabonete no corpo todo até ficar branco e correr nu pela casa gritando “Olhaaaa” agora sou Branco” rindo e gritando repetidamente.


Quando tinha 12 anos deixei meu cabelo crescer... Meu cabelo enrolado, crespo, cabelo duro, que não entra água era motivo de zoeira. Ele não foi muito bem aceito no ambiente escolar e em outros ambientes. Depois de um tempo passei a usar uma toca para esconder ele nos espaços onde era “zoado”, até que um dia uma professora pediu para eu parar de usar a toca, pois eu não era "marginal", eu tirei e então ela viu meu "cabelo duro" e falou "Você não tem dinheiro para cortá-lo? Corta isso é feio de mais..." Depois de um tempo passei a fazer alguns procedimentos estéticos para "embranquecer" passei a alisar e fazer hidratação, era um procedimento dolorido, as vezes até feria o couro cabeludo, foi nesta que ganhei uma bela de uma entrada.


Após anos tentando me colocar em um padrão de beleza Branco passei atacar o “foda-se” e deixar o meu cabelo crescer, mas meus "colegas" acostumados com o cabelo liso começaram a falar "Que porra é essa no seu cabelo, o que você fez?", "Que ninho de 'mafagafo é este?" e outros tipos de “zoeiras”. Passei a parar de andar com essas pessoas aos poucos e com o tempo fui deixando meu cabelo curto, o mais curto possível para não aparecer que era crespo ou enrolado.


Isso teve impacto na forma como eu me via e me relacionava com outros negros e negras. Lembro de quando criança eu mencionava para minha mãe "Eu nunca vou me casar com uma mulher NEGRA e GORDA" (sic), outra recordação, é que até pouco tempo atrás me declarava como BRANCO negando a ancestralidade da minha família materna e paterna. Neste breve relato de experiência quis apresentar parte do movimento "colonizante" que sequestra os corpos negros e os subjetivam, frente a um ideal de Eu Branco. Esta lógica irá atravessar os corpos pretos através de um laço de negação de si e uma busca para seguir o padrão hegemônico eurocêntrico.


O eurocentrismo é o modo de conhecimento produzido pelo capitalismo, onde naturaliza a experiência das pessoas através da perspectiva eurocêntrica/norte americana de maneira hegemônica. (Lugones, 2019, apud CASTRO, 2020).

A lógica de consumo e de padrão normativo é regida pelo semblante do homem branco, heterossexual, cristão, burguês e sem deficiência é colocado como ideal de perfeição a ser seguido. Este ideal de Eu, colonizado, colocará a pessoa preta no lugar de não pertencimento social regendo seu comportamento de “embranquecimento” como menciona a autora no texto “Além de Preto é Gay” (CASTRO, 2020) enfatizando que a existência do homem preto está no lugar da falta, onde deve se adaptar-se aquilo que é normatizado.


O racismo age sobre isso e sobre as relações que as pessoas estabelecem. Nas relações, o branco categoriza o negro como o não humano e o coloca no não lugar. (CASTRO, 2020)

O racismo estrutural atravessa a experiência do “ser preto” na medida em que a pessoa preta sente dificuldades na elaboração do seu próprio esquema corporal, o autoconhecimento de sua identidade corporal e cultural é uma atividade unicamente de negação (FANON, 2008 apud CASTRO, 2020).


Como mencionado anteriormente, o apagamento da ancestralidade é algo inerente à população negra assim como cita Conzi (2020) em seu texto “Racismo Estrutural: a construção da exclusão ao longo da história” onde pontua diversos dispositivos jurídicos para exclusão e apagamento dos negros e sua cultura. Um dos processos mais árduos vivenciado no Brasil “pós abolição”, foram as políticas de embranquecimento da população negra, pautada no pensamento eugênico, que era incentivadas por produções cientificas e políticas públicas que resultaram na ação de esterilização em massa de mulheres pobres, sobretudo, mulheres negras (DAMASCO, 2009), assim como aponta o “RELATÓRIO DA COMISSÃO PARLAMENTAR SOBRE ESTERILIZAÇÃO EM MASSA DE MULHERES – 1993


Além da "demonização" da cultura negra, que vemos muito bem com a Intolerância religiosa que vem aumentando desde 2019 e o projeto de encarceramento da população preta no Brasil (CONZI, 2020). Uma questão que me atravessa ao dialogar com tal temática é a lógica de Colorismo, onde por ser pardo em alguns espaços não tenho lugar de fala com negros e brancos. Passa a ser uma luta solitária de ter que se afirmar em algum lugar, habitando lugar algum.


O Colorismo é uma prática racial discriminatória pautada na Ideologia da branquitude (já mencionada anteriormente) que norteia através de um espectro de cor, quanto mais negro mais excluído, quanto mais branco menos excluído (SILVA et al, 2017). No entanto ao entrar em determinados espaços, principalmente nas redes sociais é reproduzido tal prática na própria comunidade.


Como diz o Rapper Baco Exu do Blues "Ser preto não é só ter pele", fui entender quando mais velho a preocupação de meu pai ao falar "Não esqueça o RG ao sair" (sic) toda vez que saia e até hoje. Nesta frase ele estava apontando o lugar que estou, que ele está, que o pai dele esteve, que seu avô esteve e que agora seu filho está.


A questão do Colorismo nos leva a um questionamento, O que é ser negro no Brasil? é pelo tom da pele, pelo cabelo, pelo nariz? O quão apagada foi sua ancestralidade? Até que ponto se comemora os costumes ancestrais de sua família? Empretecer é retomar sua ancestralidade, é afirmar-se, é tornar este não lugar em um lugar visível e possível, é (re)existir.


Repetindo o quadro "A Redenção de Cam" de Modesto Brocos, tomei a liberdade de expor um pouco dos personagens centrais da minha vida (Meus avôs e avós, cuja a do fundo hoje tem 101 anos e os outros não tive oportunidade de conhece-los, Meu Pai, Eu e Meu filho) podemos ver como esse projeto de embranquecimento se deu através das figuras masculinas da minha família.


E vocês? quais são as tonalidades da sua família?





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CASTRO, Kézia. Além de preto é gay: as diásporas da bicha preta – Lucas Veiga. LAPP-UNI9, São Paulo, 13 de Ago de 2020, Disponível em: https://www.lappuni9.com.br/post/al%C3%A9m-de-preto-%C3%A9-gay-as-di%C3%A1sporas-da-bicha-preta-lucas-veiga. Acesso em: 07 Abril 2021.


CONZI, Mariana. Racismo Estrutural: a construção da exclusão ao longo da história, LAPP-UNI9, São Paulo, 13 de Jul de 2020, Disponível em: https://www.lappuni9.com.br/post/racismo-estrutural-a-constru%C3%A7%C3%A3o-da-exclus%C3%A3o-ao-longo-da-hist%C3%B3ria Acesso: 07 Abril 2021.


DAMASCO, Mariana Santos et al. Feminismo negro: raça, identidade e saúde reprodutiva no Brasil (1975-1996). 2009. Tese de Doutorado.

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Trad. de Paulo Dias Correa. Rio de Janeiro, Imago, 2002


SILVA, Tainan et al. O colorismo e suas bases históricas discriminatórias. Direito UNIFACS–Debate Virtual, n. 201, 2017. Sobre o autor:

Ayrton Yuri Alves Souza é discente de psicologia pela Universidade nove de Julho. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em psicanálise, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanálise, empatia, subjetividade, mal-estar político e alteridade. Atualmente é pesquisador orientando - Diversidade Humana e Comportamento Violento - Pesquisa e Intervenção - DivHum-PI. Pesquisador Orientando - Iniciação cientifica - Universidade Nove de Julho: Sobre temática Identidade social de mediadores e conciliadores". Orientando - Iniciação cientifica - Universidade Nove de Julho: Sobre temática "Psicopatologia na contemporaneidade". Pesquisador do Núcleo de Filosofia Política e do Grupo de Pesquisa Membro Fundador da Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho

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