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Racismo Estrutural: a construção da exclusão ao longo da história

Quando falamos de racismo, faz-se necessário contextualizar todo o histórico envolvido e vivido pelas pessoas pretas. Nos primórdios da colonização portuguesa no Brasil, os colonizadores acreditavam que quanto mais branco, mais perto do céu estaria, por conta disso, houve a catequização apenas dos indígenas. Eles possuíam a cor de pele mais clara, portanto eles ainda tinham salvação e poderiam ir pro céu, como previa a igreja católica. Já os negros eram “escuros demais” para conseguirem algum tipo de salvação e aqui começa a inferiorização para com os africanos que foram trazidos forçadamente ao Brasil. Desde o momento de sua vinda para este país, já existiam atitudes desumanas e torturas que eram sofridas ainda no navio. Muitos dos africanos não sobreviviam à vinda para cá. As condições insalubres a que eram submetidos, as doenças que adquiriam acabavam sendo fatais. Aos que sobreviviam à vinda para cá, quando chegavam eram submetidos à escravização, à torturas e a um estilo de vida totalmente imposto por seus senhores escravocratas.


Após quase 300 anos de escravização, torturas e uma vida em condições inimagináveis, começa-se a falar sobre abolicionismo. Ele se inicia aos poucos: em 1871, com a lei do ventre livre. Em 1885 veio a lei do sexagenário e, por fim, em 1888 foi promulgada a lei áurea - que previa a libertação de todos os escravizados. Tendo em vista a abolição completa da escravização no Brasil e a forma como os escravizados eram tratados, torna-se impossível que haja direitos e oportunidades iguais para eles e, mesmo apesar da abolição, e com os negros não sendo mais considerados legalmente escravizados ou até mesmo propriedade de seus senhores, eles continuaram com esse rótulo. Não havia nenhum tipo de programa de inclusão racial, econômica ou social, eles simplesmente foram jogados na sociedade e obrigados a sobreviver. A sociedade branca, ao mesmo tempo em que se sentiu revoltada, também tinha a sensação de dever cumprido por ser obrigada a acabar com o sistema escravista e ainda sentia que não deveria fazer mais nada para que o modo de vida dos negros recém libertos mudasse. Precisamos perceber o quanto o estado também foi negligente nessa questão. Ele foi o maior reprodutor da escravização desde seus primórdios e não fez mais nada além de libertá-los de um sistema desumano.


Ao serem jogados na sociedade sem nenhum respaldo do estado, invisíveis e discriminados, as oportunidades são escassas. A visão racista e preconceituosa acaba perpetuando-se e deixando-os em uma posição inferior à maioria social branca. Em seu livro “O que é lugar de fala?”, a escritora e filósofa Djamila Ribeiro apresenta o conceito do título de seu livro para falar sobre como é necessário dar protagonismo ao lugar social ocupado pelas pessoas que são vítimas de uma opressão e dominação dentro de relações de poder. Dar voz e abrir espaços para que as opressões sejam ouvidas é respeitar o lugar de fala de minorias sociais. A escritora ainda diz que

"As experiências desses grupos localizados socialmente de forma hierarquizada e não humanizada faz com que as produções intelectuais, saberes e vozes sejam tratadas de modo igualmente subalternizado, além das condições sociais os manterem num lugar silenciado estruturalmente. Isso, de forma alguma, significa que esses grupos não criam ferramentas para enfrentar esses silêncios institucionais, ao contrário, existem várias formas de organização políticas, culturais e intelectuais. A questão é que essas condições sociais dificultam a visibilidade e a legitimidade dessas produções.”

Falar sobre o racismo não é o lugar de fala de pessoas brancas, elas não podem e não devem apropriar-se do sofrimento dos pretos para serem creditados por isso. Há de se enfatizar que social e estruturalmente a voz dos brancos é mais ouvida na sociedade por conta de toda a invisibilização e, por conta disso, eles devem abrir e dar espaços para que os negros possam falar disso.



Desde o princípio falava-se sobre uma política de embranquecimento da população, acreditava-se que pessoas negras eram amaldiçoadas por possuírem a cor de pele mais escura, portanto os filhos de escravizados teriam de casar-se com pessoas brancas para que, assim, seus filhos fossem cada vez mais brancos. Vemos isso explicitamente na obra de Modesto Brocos - A Redenção de Cam. Aqui temos uma senhora, negra, em pé e levantando as mãos aos céus, ao seu lado, sua filha com a cor de pele mais clara que, por sua vez tem seu filho no colo e está ao lado de seu marido, um homem branco. Pode-se perceber que a senhora em pé eleva suas mãos aos céus em forma de agradecimento por conseguir que seu neto, por conta da miscigenação e consequente embranquecimento, se livre da maldição que era ser negro.



Na pauta do racismo, tem-se o termo muito difundido atualmente, Racismo Estrutural, definido por Silvio Almeida (2018) como uma forma de racionalidade, normalização, de compreensão das relações e atitudes racistas. Ele constitui não só as ações conscientes, mas também, e principalmente, as inconscientes, o racismo é algo normal pois independe da aceitação. Estruturalmente temos dimensões econômicas, políticas e subjetivas e são nessas dimensões que vemos o racismo instaurado e de forma natural. A violência, a morte e o encarceramento em massa da população negra no Brasil torna-se normal e não causa um grande espanto e revolta do meio social, mas pessoas negras frequentando lugares considerados de poder e da alta sociedade já causa espanto - isso só reforça a naturalização da ausência de pessoas negras nesses espaços. Não vemos predominância de pretos em cargos de poder, não há representatividade no meio cultural, acadêmico ou até mesmo político, mas quando olhamos para os números, vemos que há 56,2% de pessoas que se consideram pretas ou pardas no Brasil.

Há um predomínio da naturalização do ser branco. Ser branco se torna regra e ser negro se torna exceção, portanto qualquer coisa que nos faça ter semelhanças brancas e/ou européias é válido para que não soframos com a violência que é ser negro numa sociedade estruturada pelo racismo. É necessário que se abra mão de privilégios brancos para que a luta contra o racismo seja uma luta efetiva e vejamos, também, que o racismo está incrustado na sociedade e não depende de nenhum tipo de interpretação. Ele existe. Ele está aqui. Ele precisa ser visto. Ele precisa ser combatido.


 

Referências

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018

IBGE. Conheça o Brasil - População: Cor ou raça. Brasil: IBGE, 2019. Disponível em: <https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18319-cor-ou-raca.html>. Acesso em: 7 jul. 2020.

RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?. Belo Horizonte (MG): Letramento, 2017.


 

SOBRE A AUTORA: Mariana Conzi é estudante de Psicologia na Universidade Nove de Julho. É diretora de comunicação da LAPP – Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia, onde também faz parte do Grupo de Estudo sobre “Neofascismo Brasileiro”.

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